Não é difícil nos depararmos com notícias que relatam situações de preconceito e discriminação contra mulheres no mercado de trabalho.
Vale lembrar que o bem-estar da sociedade está bastante relacionado ao desenvolvimento econômico de um país, e um aspecto importante é o mercado de trabalho.
Se as pessoas trabalham e são remuneradas de maneira justa por isso, maiores são as chances de se atingir o bem-estar coletivo.
Outro ponto importante está relacionado ao artigo 5° da Constituição Federal de 1988, que estabelece que todas as pessoas são iguais perante a lei. Foi uma forma de garantir e preservar os direitos – incluindo os trabalhistas – de todos(as) os(as) cidadãos(ãs), instituindo a igualdade de gênero e inibindo a discriminação.
A presença feminina no mercado de trabalho mundial, em 2022, porém, continua sendo 20% menor do que a dos homens, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Kristalina Georgieva, diretora-geral do FMI
Existe até um termo em inglês para se referir a esse cenário: “shecession”, ou recessão feminina, em tradução livre.
No Brasil, essa diferença corresponde a 19%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua referentes ao terceiro trimestre de 2020. A maior diferença registrada em 30 anos.
A pandemia agravou ainda mais o quadro, distanciando-as do mercado, uma vez que mais mulheres perderam seus empregos do que os homens. Isso porque foram demitidas ou tiveram que deixar sua ocupação remunerada para se dedicar às tarefas domésticas e aos cuidados de outras pessoas. A força de trabalho feminina foi reduzida de 53,1% no quarto trimestre de 2019, para 45,8% no mesmo período do ano seguinte.
Isto não é uma realidade somente no Brasil. O Fórum Econômico Mundial estima que a pandemia acrescentou 36 anos ao tempo necessário para reduzir a disparidade entre homens e mulheres, aumentando de 99,5 para 135,6 anos.
No entanto, mesmo antes da pandemia, o desemprego no Brasil atingia mais as mulheres do que os homens. Em 2019, por exemplo, mais da metade da população brasileira com idade para trabalhar era formada por mulheres (52,4%). Destas, somente 43,2% trabalhavam.
A remuneração é outro fator que passa longe de um denominador comum. O Relatório Global Sobre a Lacuna de Gênero de 2020 (Global Gender Gap Report, em inglês), do Fórum Econômico Mundial, indicou que, dos 153 países analisados, o Brasil ocupa o 130° lugar da lista de igualdade salarial entre homens e mulheres.
Os dados da PNAD Contínua reforçam. Mesmo sendo contra a lei, a lacuna salarial entre os gêneros persiste em boa parte das organizações. Só em 2019, os brasileiros tiveram um rendimento mensal médio de 28,7% acima do das brasileiras, considerando os ganhos de todos os trabalhos. Neste mesmo ano, as mulheres com o mesmo cargo e função que os homens receberam, em média, 20,5% menos.
Nesse cenário, a raça das mulheres é mais um fator de discriminação. Apenas 1% dos homens mais ricos do Brasil (705 mil) recebe mais do que todas as mulheres negras, juntas, do país (32,7 milhões), de acordo com o levantamento do MADE-USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da FEA-USP), de 2021.
De acordo com o FMI, salvo diferenças de cada país, as mulheres trabalham, em média, até 2,7 horas a mais do que os homens, por dia, em serviços domésticos não remunerados. Ou seja, a carga extra de trabalho em outras atividades também contribui para a disparidade entre os gêneros.
Por aqui, não é diferente: essa realidade tem a ver com serviços domésticos, não remunerados, e cuidados a pessoas, principalmente crianças e idosos(as).
Antes da pandemia, em 2019, as mulheres dedicavam 10,4 horas a mais que os homens, semanalmente, nesse tipo de atividade, de acordo com o estudo “Estatísticas de Gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, do IBGE (2021).
Nesse sentido, outro dado que vale menção diz respeito às mulheres que trabalham e moram com crianças de até três anos. Segundo o IBGE, a presença dos(as) pequeno(as) com essa faixa etária nos domicílios tem relação com o nível de ocupação do gênero feminino.
O índice de mulheres de 24 a 49 anos que estão no mercado de trabalho e vivem com crianças com menos de três anos é menor (54,2%) se comparado ao daquelas que também trabalham, mas não contam com a presença de crianças com essa idade em casa (67,2%).
Na verdade, isso é um fato histórico, que remonta ao período colonial – veja no infográfico abaixo a linha do tempo da mulher no mercado de trabalho brasileiro.
dos cargos de liderança no Einstein são ocupados por mulheres
Esses dados nos mostram que, no mercado de trabalho, nem todas as pessoas têm as mesmas condições e nem são remuneradas de maneira justa, o que distancia o bem-estar social, como falamos no início do artigo.
Um relatório recente do Banco Mundial mostra o quanto a economia de uma nação perde ao não incluir e remunerar as mulheres de forma justa. Ao analisar 190 países, o levantamento “Mulheres, Empresas e o Direito 2022” concluiu que, a diferença entre o rendimento de homens e mulheres ao longo da vida, é de 172,3 trilhões de dólares, valor duas vezes maior que o Produto Interno Bruto (PIB) mundial.
Outro estudo da mesma organização, realizado em 2018, mostrou que se fosse alcançada a igualdade salarial entre os gêneros, a riqueza total no mundo teria uma alta de 14%.
Analisando o infográfico abaixo, é possível perceber que houve, sim, avanços no assunto. As mulheres estão cada vez mais ocupando seus lugares no mercado, amparadas pela lei.
No entanto, leis não implicam necessariamente uma mudança estrutural da sociedade, em termos sociais, culturais e comportamentais.
É por isso que jogar luz neste assunto é sempre um bom caminho para conscientizar todos e todas, para que melhorias aconteçam de fato. Vamos juntos(as)?
Mulheres brancas dedicavam-se aos trabalhos domésticos e cuidados aos(às) filhos(as). Não tinham direitos políticos ou econômicos.
Mulheres negras eram escravizadas, viviam em condições desfavoráveis, trabalhavam em plantações e faziam todo o serviço doméstico, acompanhando suas "senhoras".
Pela primeira vez, as mulheres tiveram direitos trabalhistas, ainda que precários. Por conta da industrialização do país, elas ocuparam cargos em fábricas e indústrias.
Principais mudanças
Foram proibidas
Foram garantidas
Getúlio Vargas, à época presidente do Brasil, instaura a Consolidação das Leis Trabalhistas, assegurando direitos essenciais aos(às) trabalhadores(as).
Principais mudanças
Às mulheres, foram garantidos
Foi proibido
Estabelece-se o princípio da igualdade (todos e todas são iguais perante a lei), instituindo a igualdade de gênero e a não-discriminação.
Principais mudanças
Foram garantidos
Foram proibidos, por motivos de gênero
Com a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) dos(as) trabalhadores(as) domésticos(as) e demais trabalhadores(as) urbanos(as) e rurais, esses(as) profissionais tiveram os seguintes direitos garantidos:
Fonte: As mulheres e o mercado de trabalho brasileiro, Projeto Equidade, 2021
Referências:
Desigualdade de gênero e raça: o perfil da pobreza na crise, Nexo, 2021
Mercado de Trabalho: conjuntura e análise, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2021
As mulheres e o mercado de trabalho brasileiro, Projeto Equidade, 2021
Fórum Econômico Mundial: pandemia vai atrasar paridade de gênero no trabalho, CNN, 2021
Global Gender Gap Report, World Economic Forum, 2021
Mulheres com crianças até três anos de idade em casa têm menor nível de ocupação, IBGE, 2021
Homens ganharam quase 30% a mais que as mulheres em 2019, IBGE, 2020
Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, IBGE, 2019
Unrealized Potential: The High Cost of Gender Inequality in Earnings, The World Bank, 2018